Sequestro na UPA: quando salvar vidas vira teste de sobrevivência
A noite de 15 de outubro de 2017 registrou cenas dignas de filme policial no Complexo da Maré, Rio de Janeiro. Cerca de 50 traficantes fortemente armados invadiram a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) em busca de atendimento de emergência para Renan Henrique Barbosa Campos, um dos nomes mais temidos do tráfico local, ferido gravemente após um confronto com a polícia. O objetivo era claro: exigir atendimento imediato para tentar salvar um dos seus líderes, colocando em risco a rotina da equipe médica e de todos os presentes.
A equipe médica, acuada sob a ameaça de fuzis, foi obrigada a abandonar tudo. Os criminosos não hesitaram – sequestraram uma médica, embarcaram o próprio Renan, ainda sangrando, numa ambulância roubada e partiram sem qualquer reação, rumo a uma clínica clandestina na Baixada Fluminense. Renan havia levado tiros no braço e na perna e seu estado era crítico. Com medo e sob pressão, a médica sabia: ali não havia escolha, só resta cumprir, tentando preservar duas vidas – a do paciente e a dela mesma.
Nas primeiras horas após o crime, o que se sabia oficialmente vinha das câmeras de segurança. Elas comprovaram a invasão cinematográfica dos traficantes e serviram de base para ampliar as buscas. Enquanto isso, a médica era forçada a operar sob condições precárias. No depoimento posterior à polícia, relata que foi obrigada a indicar a necessidade de amputação do braço do traficante para evitar uma infecção generalizada que poderia matá-lo em poucas horas. Os criminosos queriam tudo para segurar o chefe vivo – a qualquer preço.

Rotina de medo para profissionais da saúde
O episódio do sequestro escancarou um drama que faz parte da vida de quem trabalha na saúde pública em regiões conflagradas do Rio. Não foi acidente: a invasão à UPA da Maré mostrou que médicos e enfermeiros podem ser arrastados para situações de alto risco sem qualquer preparo ou proteção. Se a missão é salvar vidas, às vezes o desafio é salvar a sua própria.
A polícia, sob comando do delegado Wellington Vieira, entrou em ação rapidamente. O veículo roubado foi recuperado ainda no mesmo dia. Mas o paradeiro exato da clínica clandestina para onde Renan foi levado permanece um mistério, alimentando o clima de guerra que atravessa os acessos aos morros cariocas. O caso não é isolado, mas se destaca pela brutalidade e pelo poder de fogo usado pelos traficantes, além da clara vulnerabilidade dos profissionais da linha de frente da saúde.
E para quem pensa que esse tipo de episódio é raro, basta conversar com plantonistas e enfermeiros para perceber que a violência, muitas vezes, bate à porta dos hospitais e UPAs. O medo virou sombra inseparável, principalmente quando o relógio marca as horas mais perigosas da cidade. Se para os traficantes a vida de um chefe vale qualquer risco, para quem vestiu branco na UPA da Maré aquela noite virou um divisor de águas na luta diária pela sobrevivência.