Na terça-feira, 18 de novembro de 2025, a Câmara dos Deputados aprovou uma emenda que elimina de vez o direito de voto para todos os presos no Brasil — seja quem já foi condenado com sentença definitiva, seja quem ainda aguarda julgamento. A medida, apresentada pelo deputado Marcel van Hattem (Novo-RS), recebeu 349 votos a favor, 40 contra e uma abstenção. O texto, incorporado ao Projeto de Lei Antifacção, não é só uma mudança técnica: é um choque no coração da democracia brasileira. Por 37 anos, a Constituição garantiu que ninguém fosse considerado culpado antes do trânsito em julgado. Agora, isso pode mudar.
Do que se trata, na prática?
A emenda modifica dois artigos do Código Eleitoral: primeiro, proíbe expressamente que qualquer pessoa sob custódia — mesmo que apenas em prisão provisória — se inscreva ou mantenha seu título de eleitor. Segundo, obriga a Justiça Eleitoral a cancelar automaticamente o registro de quem já está preso, sem necessidade de processo adicional. Isso anula uma prática consolidada desde 1988: a de que presos sem condenação final ainda são cidadãos plenos, com direito a escolher seus representantes.
Em 2024, mais de 6.000 presos provisórios votaram nas eleições municipais, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Eles usaram urnas especiais dentro de presídios, com fiscalização da polícia e da Justiça. Nenhum caso de fraude foi registrado. Mas isso não importou para os que aprovaram a emenda. "Preso votar em eleições? Nunca mais!" — escreveu van Hattem no X, comemorando a vitória. A mensagem soa como um grito de guerra, mas esconde uma pergunta incômoda: quem é que realmente ameaça a democracia — o preso que vota, ou o sistema que o mantém preso sem julgamento?
Por que isso é um problema constitucional?
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, LVII, é clara: "Nenhum acusado será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Esse princípio não é uma formalidade. É a base da justiça democrática. Negar o voto a alguém só porque foi preso — sem ter sido julgado — é como punir antes do processo. É como dizer que a prisão é, por si só, uma condenação moral.
Advogados e cientistas políticos, como Patrícia Azevedo, professora da USP, já alertaram: "Essa emenda é uma violação direta da presunção de inocência. Se for sancionada, será derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF)". Eles não estão só especulando. Em 2017, o STF já derrubou uma tentativa semelhante de suspender o voto de presos provisórios em São Paulo. A lógica era a mesma: não se pode tirar direitos por suspeita. A diferença agora é o tamanho da maioria na Câmara — e o clima político.
Um projeto mais amplo — e mais perigoso
A emenda não veio sozinha. Ela é parte do Projeto de Lei Antifacção, um pacote de 47 artigos que, além de barrar o voto, endurece penas para crimes organizados, proíbe benefícios como livramento condicional para líderes de facções, e obriga a transferência de chefes de quadrilhas para presídios federais de segurança máxima. Também permite a suspensão de CNPJs de empresas que recebem dinheiro de crimes — algo que pode atingir pequenos empresários ligados por vínculos familiares.
Essas medidas parecem duras, mas justas — até você lembrar que, no Brasil, mais de 70% dos presos ainda não foram condenados. E que a maioria deles é pobre, negra, e mora em periferias. Tirar o voto dessas pessoas não combate o crime: é como apagar um sinal de alerta. É como dizer que, se você foi preso, já não pertence à sociedade. E aí, quem decide quem pertence e quem não pertence?
O que vem a seguir?
Agora, o projeto vai para o Senado Federal. Lá, a situação é mais incerta. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já disse que "direitos fundamentais não podem ser votados como se fossem emendas orçamentárias". Muitos senadores, mesmo de partidos de direita, têm reservas sobre o impacto constitucional da medida.
Se o Senado aprovar o texto como está, ele vai para a mesa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ele tem poder de vetar trechos específicos — e especialistas acreditam que ele deve fazê-lo, sob risco de um caos jurídico. Mas e se ele não vetar? Aí, a Justiça entra. O STF provavelmente receberá ações de habeas corpus e ADIs (Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade) dentro de semanas. O país pode enfrentar um dos maiores embates constitucionais dos últimos 20 anos.
Quem ganha com isso?
Os defensores da emenda dizem que querem um "Brasil livre" — mas livre de quê? De presos que votam? Ou de um sistema que ainda não consegue julgar ninguém a tempo? Enquanto a fila de prisões provisórias cresce — hoje são mais de 300 mil pessoas sem condenação —, a resposta não é tirar o voto. É acelerar a justiça. É investir em juízes, promotores e defensores públicos. É acabar com a prisão como punição preventiva.
Enquanto isso, os presos que votaram em 2024 — mães, filhos, jovens que nunca tiveram chance de ser ouvidos — continuam presos. E agora, talvez, sem nem mesmo o direito de escolher quem os governa. A democracia não se mede pelo número de votos que se proíbe. Mas pelo número de vozes que se cala.
Frequently Asked Questions
Como isso afeta os presos provisórios no Brasil?
Cerca de 70% dos mais de 300 mil presos no Brasil ainda não foram condenados. Com a nova emenda, todos perderão automaticamente o título de eleitor, mesmo que estejam presos por acusação sem provas. Isso exclui da democracia pessoas que, pela lei, ainda são consideradas inocentes — e que, em 2024, votaram em 6.000 casos registrados pelo TSE.
Por que o STF pode derrubar essa emenda?
O artigo 5º, LVII da Constituição garante a presunção de inocência. Negar o voto a alguém só por estar preso — sem sentença final — é considerado pela Justiça como uma punição antecipada. Em 2017, o STF já derrubou tentativa similar. A maioria dos ministros entende que direitos políticos só podem ser suspensos após condenação definitiva, não por mera detenção.
Quem propôs essa mudança e por quê?
O deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) apresentou a emenda como parte do pacote Antifacção, alegando que "preso não é cidadão". Seu discurso se alinha a uma corrente política que vê a prisão como uma condenação moral. Mas especialistas apontam que o voto não é um privilégio — é um direito fundamental que protege a todos, inclusive os mais vulneráveis.
O que acontece se o Senado aprovar e o presidente sancionar?
A Justiça Eleitoral terá de cancelar os títulos de todos os presos, mesmo os que ainda estão em julgamento. Isso gerará caos administrativo e milhares de ações judiciais. O STF provavelmente será acionado em semanas. Se a lei for mantida, o Brasil entrará em conflito direto com tratados internacionais de direitos humanos que assinou, como a Convenção Americana de Direitos Humanos.
Essa medida reduzirá a criminalidade?
Não há evidência de que tirar o voto de presos diminua crimes. O que reduz criminalidade são políticas públicas: educação, emprego, justiça rápida. O Brasil tem a terceira maior população prisional do mundo — e a maior taxa de presos provisórios. O problema não é o voto. É o sistema que prende sem julgar. Silenciar vozes não resolve a raiz do problema.
Quais são os próximos passos legais?
O projeto vai ao Senado, onde pode ser alterado. Se aprovado, segue para a Presidência da República. Lula pode vetar apenas essa emenda, mantendo o restante do Antifacção. Caso seja sancionado, entidades como OAB, CNJ e Ministério Público Federal devem entrar com ações no STF. O prazo para contestação é de 60 dias após a publicação da lei.
Rodrigo Serradela
novembro 20, 2025 AT 14:41Isso aqui é um desastre constitucional, sério. Tirar o voto de quem ainda não foi condenado? Isso não é justiça, é vingança disfarçada de lei. A Constituição existe pra proteger os fracos, não pra ser esmagada por uma maioria barulhenta. Eles esquecem que o preso provisório é, por lei, inocente. E agora? Vão tirar o direito de voto de todo mundo que não tem dinheiro pra um bom advogado?!
yara alnatur
novembro 22, 2025 AT 08:54Essa emenda é o equivalente político de jogar o lixo debaixo do tapete. 70% dos presos são inocentes? Então por que a gente tá tratando eles como criminosos antes do julgamento? A democracia não é um clube exclusivo pra quem tá solto. É um direito que a gente tem - mesmo quando o sistema falha. E olha, eu tô cansada de ver pessoas que nunca sentiram na pele a fome, o preconceito, a ausência de justiça, falando como se o voto fosse um privilégio. É um direito. Ponto.
Jefferson Ferreira
novembro 22, 2025 AT 15:10É importante lembrar que o voto dos presos provisórios nunca foi um problema de fraude - o TSE já comprovou isso. O que acontece é que a sociedade prefere simplificar: preso = criminoso. Mas a realidade é muito mais complexa. A maioria dos presos provisórios são jovens negros de periferia, presos por falta de condições de pagar fiança. Tirar o voto deles é como apagar sua existência política. E isso não combate o crime. Só silencia vozes que precisam ser ouvidas.