O ex-deputado estadual Thiego Raimundo de Oliveira Santos, conhecido como TH Joias, foi formalmente indiciado pela Polícia Federal em 12 de novembro de 2025 por nove crimes graves, incluindo organização criminosa, tráfico interestadual de armas e drogas, lavagem de dinheiro e embaraço à justiça. A acusação aponta que ele usava seu mandato na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) como cobertura para atuar como elo entre facções criminosas e a máquina pública — um caso sem precedentes na história recente do estado. Preso em flagrante em 3 de setembro de 2025, durante a Operação ZargunBarra da Tijuca, TH Joias foi retirado do cargo no mesmo dia, após ser encontrado em um condomínio de luxo com R$ 1,2 milhão em ouro e diamantes, além de documentos que ligavam diretamente seu escritório político a operações de importação ilegal de armas do Paraguai.
Do joalheiro ao chefe de rede criminosa
Antes de entrar na política, TH Joias era um joalheiro de sucesso, famoso por fabricar peças de ouro cravejadas de diamantes para jogadores de futebol e artistas como Anitta e Neymar. Mas a fama e a fortuna parecem ter sido apenas a ponta do iceberg. As investigações mostram que ele usava sua loja e redes de clientes como fachada para lavar dinheiro da droga e do tráfico. Entre 2022 e 2025, mais de R$ 8,7 milhões em transações suspeitas foram rastreadas por meio de contas falsas em nome de empresas de joalheria que nunca existiram. O que era para ser um negócio de luxo virou um canal de financiamento para o Comando Vermelho e o Terceiro Comando Puro.
Os 18 indiciados e a teia de corrupção
A Operação Zargun não prendeu apenas TH Joias. Entre os 18 indiciados estão três policiais militares do Rio, o delegado federal Gustavo Steel, preso em pleno plantão no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, e Alessandro Pitombeira Carracena, ex-secretário do governo estadual. Mas o nome que mais chocou foi o do presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar. Em depoimento ao Fantástico, exibido em 7 de dezembro de 2025, Bacellar negou qualquer contato com TH Joias — mas depois admitiu ter conversado com ele um dia antes da operação. Quando questionado sobre vazamentos, disse: “Não tô aqui pra entregar colega. Não tô aqui para proteger colega também que faz nada errado.” A contradição foi suficiente para o ministro Alexandre de Moraes determinar sua prisão preventiva em 3 de dezembro de 2025. No carro dele, agentes encontraram R$ 90 mil em espécie — dinheiro que ele não conseguiu explicar.
Armas, drones e o Complexo do Alemão
A operação revelou que o Comando Vermelho não só controlava territórios na favela do Complexo do Alemão, mas também tinha acesso a informações sigilosas da segurança pública. Um dos principais aliados de TH Joias era Gabriel Dias de Oliveira, o “Índio do Lixão”, morador de Duque de Caxias, que comprava fuzis AK-47 no Paraguai e os revendia por até R$ 15 mil cada. Já Luiz Eduardo Cunha Gonçalves, o “Dudu”, ex-assessor parlamentar de TH Joias, era responsável por adquirir e instalar aparelhos antidrone da China — usados para bloquear rastreamento de drones da polícia durante operações. Esses equipamentos, comprados por meio de empresas fantasmas em Hong Kong, chegavam ao Rio por contêineres falsificados e eram entregues em pontos de venda controlados por facções.
Alerj sob escândalo: quando a política vira refém do crime
Desde que TH Joias foi eleito em 2022, ele acumulou mais de 20 projetos de lei relacionados à segurança pública — todos aprovados sem análise técnica. Um deles, de autoria dele, flexibilizava o uso de armas por agentes de segurança em áreas de conflito, algo que facilitou o acesso de criminosos a armas apreendidas. Outro, que alterava a fiscalização de importações de joias, foi aprovado em menos de 72 horas. “Ele não era um deputado. Era um operador”, disse ao Estadão um ex-assessor da Alerj que pediu anonimato. “Ele entrava na sessão com ternos de grife, mas saía com agendas cheias de nomes de chefes de facções.”
Repercussão e o que vem a seguir
A Operação Zargun gerou pressão massiva por reformas na Alerj. O presidente da Casa, Rodrigo Bacellar, foi afastado e já há pedidos de cassação de outros cinco deputados com ligações suspeitas. O Ministério Público do Rio abriu uma investigação paralela sobre o uso de verbas parlamentares para financiar redes de tráfico. Enquanto isso, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região analisa o indiciamento de TH Joias — que pode enfrentar até 40 anos de prisão. Mas o mais preocupante não é o número de presos, e sim o que isso revela: a infiltração criminosa não é mais um fenômeno de favelas. É um sistema. E ele tem escritório, assessoria e até protocolo de reunião.
Um sistema que nunca foi tão visível
Este caso é diferente de outros envolvendo políticos e facções. Antes, o vínculo era indireto: dinheiro sujo, propina, favores. Aqui, o deputado era o braço operacional. Ele negociava armas. Ele escolhia onde os drones seriam instalados. Ele usava sua imunidade parlamentar para proteger contatos. E quando foi preso, não foi por acaso — foi porque alguém na própria estrutura do estado o denunciou. A PF não encontrou provas por acaso. Encontrou porque alguém, dentro da própria máquina, decidiu que era hora de quebrar o silêncio.
Frequently Asked Questions
Como TH Joias conseguiu se manter na Alerj por tanto tempo se era ligado a facções?
TH Joias usava sua imagem de empresário bem-sucedido e seu apoio a projetos de segurança pública para ganhar popularidade entre eleitores de zonas de conflito. Além disso, mantinha contatos com servidores públicos que o protegiam de investigações internas. Sua imunidade parlamentar dificultava ações da PF, e ele só foi preso após uma delação de um ex-assessor que temia ser o próximo alvo.
Quais são os riscos de o Comando Vermelho ter acesso a informações sigilosas do governo?
Com acesso a dados de operações policiais, rotas de patrulhamento e até planos de investimentos em segurança, o CV pode antecipar ações da polícia, esconder armas e até sabotar investigações. Isso não só aumenta a impunidade, como também coloca em risco a vida de agentes e civis. A Operação Zargun descobriu que facções sabiam com antecedência onde seriam feitas operações — e se preparavam com antecipação.
Por que o delegado Gustavo Steel foi tão importante para a rede?
Como delegado no Aeroporto do Galeão, Steel tinha acesso a listas de cargas, passageiros suspeitos e dados de importações. Ele repassava informações sobre armas e equipamentos que chegavam ao Brasil, permitindo que facções interceptassem cargas antes da fiscalização. Seu envolvimento foi confirmado por gravações de celulares e por testemunhas que o viram em reuniões com integrantes do CV em bares do centro do Rio.
O que a prisão de Rodrigo Bacellar significa para a política no Rio?
A prisão do presidente da Alerj é um sinal de que ninguém está acima da lei — mesmo os mais poderosos. Mas também expõe a fragilidade das instituições: Bacellar foi preso não por corrupção direta, mas por omissão e mentira. Isso mostra que o sistema permite que líderes políticos ignorem crimes enquanto não houver provas concretas. A pressão agora é por uma reforma de transparência na Casa, com auditorias independentes e bloqueio de verbas a deputados sob investigação.
Existe risco de essa rede se espalhar para outros estados?
Sim. A mesma estrutura de uso de políticos locais como intermediários já foi observada em Minas Gerais e São Paulo, mas nunca com essa profundidade. O uso de aparelhos antidrone da China e a importação de armas pelo Paraguai são modelos replicáveis. A PF já identificou contatos entre integrantes do CV e políticos em outros estados, e investigações estão em andamento. O risco não é apenas local — é nacional.
O que os cidadãos podem fazer para evitar que isso se repita?
Exigir transparência nas contas públicas, denunciar irregularidades por canais seguros e apoiar candidatos com histórico de integridade são passos essenciais. Além disso, fiscalizar o uso de verbas parlamentares e acompanhar votações de projetos de segurança pública pode impedir que leis sejam criadas para beneficiar criminosos. A sociedade não pode mais aceitar que um joalheiro se torne deputado e depois se torne chefe de uma rede de armas.